São João no Nordeste: quando a cultura vira força, e a festa vira futuro
Entre milho, forró e saudade: o que aprendi vivendo o São João desde criança.
5/29/20253 min read


Falar de São João no Nordeste, pra mim, não é apenas escrever sobre um evento tradicional. É contar algo que vivi desde pequena, andando pelo Parque do Povo, dançando nas quadrilhas de rua, ouvindo o som das bombas estourando e me encantando com cada detalhe dessa época. Eu nasci em Campina Grande, e vi de perto o que essa festa representa, não só como memória afetiva, mas como força viva que transforma a cidade, movimenta a economia e fortalece a identidade de um povo.
Quando eu era criança, o São João de Campina já era grande, mas era vivido de forma mais simples. A cidade inteira se envolvia. E cada ano que passava, eu via tudo crescer. O Parque do Povo foi ganhando palco, barracas, estrutura. Vieram os artistas famosos, os turistas, os camarotes. Mas a essência ficou. Continuou sendo uma festa da cidade, feita por gente da cidade.
E junto com a festa de rua, vinha outra tradição ainda mais íntima: a reunião da minha família na casa da minha mãe. Era lá que as comidas típicas tomavam conta da cozinha: canjica, pamonha, milho cozido, bolo de milho, mungunzá. O cheiro dessas comidas ainda me volta na memória como se estivesse acontecendo agora. Era comida com afeto, feita devagar, com todo mundo junto, rindo, lembrando causos, preparando a noite de São João como um grande evento familiar. E era mesmo. Meu pai sempre dizia: "se não ajudar a descascar e ralar o milho, não vai comer". Todo mundo participava de algum jeito, nem que fosse pra mexer o tacho da canjica ou ajudar a enrolar a palha da pamonha. Hoje, distante da minha terra, a saudade desse tempo me vem com música, cheiros e gostos.
Hoje, Campina Grande vive o maior São João do mundo durante 30 dias seguidos. São centenas de atrações, shows de artistas consagrados e locais, feiras de artesanato, apresentações de quadrilha, casamentos matutos e uma multidão ocupando a cidade com alegria. Mais de 2 milhões de visitantes passam por lá. E a festa movimenta tudo: hotéis, bares, transporte, comércio, costureiras, músicos, cenógrafos. Gera emprego, renda e autoestima.
E tudo começa com uma música. Quando os primeiros acordes de "Olha pro céu, meu amor, vê como ele está lindo...", do saudoso Luiz Gonzaga, ecoam no Parque do Povo, a cidade inteira entende: começou o São João. E, trinta dias depois, é com ela também que a festa se despede, deixando no ar um misto de alegria, saudade e pertencimento que só quem vive sabe explicar.
E do outro lado dessa história está Caruaru, que junto com Campina forma a espinha dorsal do São João nordestino. Caruaru tem suas raízes bem fincadas no forró, na arte popular, no barro, nas feiras. A festa lá também é gigante, mas tem outro ritmo, outro sotaque, e é isso que torna tudo tão especial. As duas cidades crescem juntas, como dois corações que batem no mesmo compasso.
Com o olhar de quem viveu tudo isso desde a infância, vejo que o São João não é só festa. É patrimônio imaterial. É economia criativa na prática. É tradição que se atualiza sem se perder. Tudo o que envolve essa época, do milho plantado à banda de forró no palco, ativa uma cadeia enorme de trabalho e oportunidades. E tudo isso vem da cultura.
A cultura nordestina é viva, quente, cheia de cor e significado. E São João é a vitrine disso. Mostra que o Brasil tem muito a ganhar quando olha pra dentro e valoriza o que já tem. Campina Grande e Caruaru entenderam isso. Investem, estruturam, crescem. E o mais bonito: fazem isso sem virar produto genérico. Continuam sendo o que sempre foram, autênticas, populares e profundamente nordestinas.